Hoje, a província da Zambézia recebeu, com o habitual aparato cerimonial, a Chama da Unidade Nacional que tenciona percorrer Moçambique de lês a lês. É um símbolo dos sucessivos governos da Frelimo desenhado para consolidar a presença politica e afastar a poeira das contestações pós-eleitorais que são em regra tradição desde 1994. Chegou à província pelo Alto Ligonha, em Gilé, um território que, paradoxalmente, carrega em si ainda cicatrizes abertas da violência pós-eleitoral.
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A geografia por onde a tocha vai percorrer é tudo menos neutra. Distritos como Inhassunge, Luabo, Mopeia, Morrumbala, Derre, Milange, Gurué, Nicoadala, Namacurra, Gilé e Mocuba estiveram, recentemente, sob a presença activa dos chamados “naparamas” grupos armados de auto-defesa popular. Um estudo do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) “UMA PROVÍNCIA ‘REBELDE’: O significado do voto zambeziano a favor da Renamo”, de Sérgio Chichava indica que mais da metade da Zambézia rural vive hoje sob uma forma de co-governação ambígua e argumenta que o voto consistente da população da Zambézia a favor da Renamo nas eleições após o fim da guerra civil está enraizado num sentimento histórico de marginalização, tanto durante o período colonial quanto no pós-independência.
Esta realidade, sociologicamente complexa, denuncia aquilo que o antropólogo norte-americano James C. Scott chamou de infra-política, as formas subterrâneas de resistência, em que os povos não se rebelam frontalmente, mas corroem a legitimidade do Estado pela rejeição simbólica e prática. E é neste caldo de revolta latente que a chama da “unidade” tenta agora acender.
Em qualquer democracia funcional, os símbolos nacionais devem ser instrumentos de coesão voluntária, não de imposição hegemónica. Quando o Estado carrega consigo a tocha da unidade sem, antes, reconhecer as dores de da população pode transformar um gesto simbólico para um acto de provocação.
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A ausência da justiça no caso de Inhassunge, onde denúncias de corrupção, tráfico de influência e negligência institucional se acumulam sem resposta, torna qualquer gesto um teatro . Pior: a arrogância com que alguns dirigentes interpretam o silêncio popular como aceitação é uma leitura perigosa, e historicamente errada.
Esta rejeição deste símbolo é talvez o resultado de três camadas entrelaçadas de ressentimento: A população vê nas instituições uma máquina de fidelidade partidária, não de prestação de contas. A chama da unidade é apenas carregada pelas mãos da Frelimo e não é percebida como nacional, mas como instrumento de um partido em negação da sua crise interna. Existe também um sentimento persistente de que as culturas locais, como a chuabo, a lomué ou a sena, foram sempre periféricas no imaginário nacional. O projecto de unidade nunca levou a sério o pluralismo etnolinguístico. A tocha não fala a língua do povo e por isso, não “acende” o coração da população. A centralidade de Maputo como única capital simbólica e decisória tornou as províncias um apêndice do poder. O que para Maputo é unidade, para Quelimane pode ser apenas controle.
E se a chama for apagada?
As instituições de segurança e os organizadores do evento devem ter em conta que o risco de resistência activa ou sabotagem simbólica à chama é real. Mesmo que não haja confrontos armados, há sinais claros de que este ritual poderá ser ignorado, boicotado ou mesmo atacado como expressão de rejeição.
Como recorda um guru do jornalismo moçambicano num editorial recente, “a política é feita não só de actos, mas daquilo que os actos evocam”. E nesta evocação, a tocha pode ser vista, não como esperança, ou pior como lembrança das promessas que não foram cumpridas durante os 50 anos pela Frelimo. O pais já não é o mesmo…
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