Desde que me lembro como ser pensante, foi-me incutido pela família, pela sociedade, pelos tutores e afins, que devia odiar aquele homem. E chegaram a conseguir. Até uma determinada altura, eu odiava mesmo. É que ele era tudo de errado que a nossa sociedade combatia: ele pilava crianças, cortava estradas e impedia o desenvolvimento do país. Desviava camiões com mercadorias que abasteciam as comunidades. Era matsanga, marginal, incendiário, inimigo do progresso do povo… Enfim, era o leproso político e social.
Foi um feito e tanto. É que eu não era uma ilha — a geração de 80-90 foi muito prejudicada por conta disso. Hoje, não sabemos mais como compensar o tempo perdido. Sentimo-nos injustiçados, pois agora entendemos que aquele homem, na verdade, apenas sonhava com um país diferente. Um país mais igualitário no que concerne às oportunidades, com liberdade e justiça! Sentimos vergonha, mas, no entanto, há esperança… É que, igualmente, sentimos que temos o dever de reescrever a história. A cripta da Praça não pode deter exclusivamente o poder de determinar quem foi, de facto, herói. É que a Praça é o povo — e é o mesmo povo quem coroa os seus heróis.
Vejo aquele homem como um herói, que lutou por nós numa causa outrora incompreendida por nós…
Voltando a um passado tão doce e amargo, hoje, por conta dos remorsos, lembro que estudei com o filho do Anselmo Victor (quadro da RENAMO). Ele era muito inteligente. Acho que somente isso fazia com que se esquecessem da sua “lepra”. Ele era meu amigo. Eu estava constantemente interessado nas histórias dele sobre “Maringwe” (posso ter escrito mal, mas ele pronunciava assim). Os olhos dele brilhavam quando falava do Dhlakama, da sua generosidade e inteligência. Para uns, aquilo era terror, mas eu escutava tais relactos como se ele estivesse a descrever o Jardim do Éden…
Hoje, mais do que nunca, entendo o meu amigo. Entendo, igualmente, a sua dor ao notar que era tratado de forma diferente, pois pertencia a uma família que não só pensava, mas vivia diferente — e sonhava fazer a diferença pelo país inteiro.
Este país precisa de reconciliação histórica. Eu sinto dor. E não é endeusamento, não — pois ele tinha os seus pecados, assim como continuamos a cometer os nossos.
Na terra onde fui forjado, diz-se: Izvinite, pajalusta — Perdão, Dhlakama, perdão!
Émerson Chiloveque
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