Um estudo recentemente publicado pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) lança uma luz sobre os mecanismos invisíveis através dos quais os mercados financeiros internacionais exploraram a vulnerabilidade estrutural de Moçambique, transformando a crise da dívida que eclodiu em 2016 num lucrativo campo de especulação.
O documento, intitulado “Especulando com as expectativas de expansão e de colapso da economia moçambicana: o papel dos mercados financeiros internacionais”, assinado pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco, oferece uma leitura crua sobre como os mesmos actores financeiros que outrora saudaram Moçambique como “modelo de crescimento africano”, foram os primeiros a decretar sua falência iminente, após a revelação das dívidas ocultas contraídas com garantias soberanas fora do controlo do Parlamento.
Entre os anos de 2013 e 2014, Moçambique contraiu dívidas superiores a dois mil milhões de dólares norte-americanos através das empresas EMATUM, ProIndicus e MAM, operações encobertas por garantias do Estado e intermediadas por bancos internacionais como o Credit Suisse e o VTB. Em 2016, com a revelação pública destas dívidas ilícitas, o país mergulhou numa crise económica sem precedentes e os doadores suspenderam o apoio directo ao Orçamento do Estado, a moeda desvalorizou-se violentamente e a inflação disparou.
Segundo o estudo do IESE, esse colapso não foi apenas uma consequência desastrosa da má gestão pública, mas também uma oportunidade deliberadamente cultivada pelos mercados. Ao anteciparem a probabilidade de default, fundos de investimento começaram a adquirir títulos da dívida moçambicana a preços depreciados, com expectativa de lucro elevado em caso de renegociação ou reestruturação da dívida. Nas palavras do boletim, tratou-se de uma “financeirização do colapso”, onde a miséria de um país se converteu em instrumento de acumulação de capital para investidores externos.
As agências de notação financeira, como Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s, também são alvo de críticas severas no estudo. Acusadas de agirem como catalisadoras da desconfiança e alimentadoras da especulação, estas entidades rebaixaram agressivamente a classificação de crédito de Moçambique, numa espiral de descrédito que, segundo Castel-Branco, mais serviu para proteger interesses especulativos do que para refletir a real capacidade económica do país.
Os gráficos incluídos no boletim revelam, por exemplo, o salto nos retornos dos eurobonds moçambicanos a partir de 2016, indicativo de que o país passou a ser tratado como um ativo de alto risco – e, portanto, de alto retorno. Moçambique tornou-se um caso exemplar de como as finanças globais operam num campo onde a fragilidade é um recurso explorável, e não uma condição a ser remediada.
O estudo não se limita à crítica, sugere que esta vulnerabilidade estrutural está enraizada numa dependência histórica do financiamento externo, na ausência de mecanismos internos de controlo e prestação de contas, e na subordinação do Estado moçambicano a lógicas extractivistas globais, especialmente nos sectores do gás e mineração.
Entre 2016 e 2019, o país esteve em moratória parcial, renegociando condições leoninas com detentores de dívida, enquanto o povo moçambicano pagava o preço com cortes em serviços públicos, congelamento salarial e aumento do custo de vida. Castel-Branco sugere que a retórica da “boa governação” promovida pelas instituições internacionais mascarou a real dinâmica e o colapso era previsível, mas foi deliberadamente amplificado para alimentar mecanismos de lucro financeiro.
Num momento em que Moçambique se prepara para nova fase de exploração massiva de gás natural, com promessas renovadas de prosperidade, o IESE deixa uma advertência: sem um reposicionamento soberano e estratégico face ao capital financeiro internacional, o país continuará preso ao ciclo da dependência, da dívida e do colapso.
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