Por ocasião do aniversário da sua morte, 3 de Maio
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Afonso Dhlakama não morava em nenhum lugar fixo. Dormia em Gorongosa, falava de Maputo, pensava em Roma. Vivia no compasso de um país que, como ele, aprendeu a respirar entre o barulho das armas e o sussurro da paz. Era um homem de silêncios estratégicos e discursos inflamados. Um homem que se fazia presente mesmo quando todos julgavam que se tinha perdido no mato.
Dhlakama era feito da substância que o barro da guerra molda com sangue, suor e promessas. Não era herói nem vilão – era consequência. Como todas as figuras que o tempo esculpe com ferro e fogo. Cresceu com o país a ferver de promessas revolucionárias, e quando percebeu que não havia lugar para ele na nova FRELIMO, virou-se contra ela. Com armas. Com homens.
Não se compreende Dhlakama sem se ouvir o silêncio do camponês que enterrava filhos em nome de ideologias que nunca lhe explicaram. Ele liderava uma guerra que começou por mãos alheias, mas que acabou por lhe pertencer. Tomou o leme da RENAMO em 1979, depois de Matsangaíssa tombar. E ali ficou, como quem herda uma casa em ruínas e decide morar nela até que os telhados lhe caiam sobre os ombros.
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Dhlakama não confiava no poder – desconfiava dele. Nem no dele próprio, talvez. Por isso, nunca entregou as armas por completo. Assinou papéis em Roma, apertou mãos com Chissano, mas nunca largou o mato de verdade. Havia nele a convicção profunda de que a democracia, tal como lhe era oferecida, tinha rascunhos mal desenhados. Era preciso manter os Kalashnikov à mão, só por precaução.
O povo, esse, votava nele com os olhos marejados de promessas. Em 1994, depois da guerra, foi às urnas e ficou em segundo. Depois, mais uma vez. E outra. E outra ainda. Em 1999, chegou perto. Quase metade dos votantes o quiseram presidente. Mas o “quase” em política é como o meio passo no abismo, não leva a parte alguma. E Dhlakama, ressentido, recuava sempre às matas, como quem diz: “o mato é meu lar, não me iludo com palácios”.
A sua figura era incómoda. Um rebelde demasiado organizado para ser ignorado. Um político demasiado imprevisível para ser confiável. Mas, paradoxalmente, foi ele quem manteve acesa a chama de um sistema multipartidário em que poucos acreditavam. Sem Dhlakama, a democracia moçambicana seria um teatro de um só actor. Foi a sua presença constante, ora com armas, ora com discursos que obrigou o sistema a sentar-se e a negociar.
Aos olhos de muitos, morreu sem cumprir o destino. Mas qual seria esse destino? Ser presidente? Talvez. Mas talvez o seu destino fosse outro, o de ser a pedra que incomoda o passo, a sombra que obriga o rei a olhar por cima do ombro. Talvez tenha sido esse o seu maior papel, o de manter viva a lembrança de que nenhum poder é eterno, e que o povo – esse mesmo povo de capulana e enxada – merece ser ouvido.
Morreu a 3 de Maio de 2018, entre serras que o viram crescer como guerreiro e político. Morreu como viveu, no meio do caminho entre o mato e a cidade. Entre a bala e o boletim de voto. Entre o confronto e a reconciliação.
Hoje, o seu nome é sussurrado com respeito e medo. Mas nunca com indiferença.
Porque Dhlakama foi isso: o homem que, quando todos queriam esquecer, voltava sempre às matas.
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