Num movimento cirúrgico mas carregado de significados, o Presidente da República e Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS), Daniel Francisco Chapo, ordenou esta semana a passagem à reserva de uma camada significativa do topo da Polícia da República de Moçambique (PRM). A lista, que inclui nomes como o Comissário Fernando Francisco Tsucana e vários primeiros-adjuntos e adjuntos do comissário, pode parecer um gesto de rotina administrativa – mas, na realidade, configura uma reengenharia silenciosa do aparelho de segurança do Estado.
O comunicado oficial, seco e burocrático, menciona a legalidade dos despachos presidenciais, invocando o artigo 47 da Lei n.º 16/2013 e os decretos regulamentares do Estatuto do Polícia. Mas para quem acompanha os corredores do poder, fica claro que estamos diante de uma mudança de guarda com implicações políticas que vão muito além das palavras tecnocráticas.
Fim de ciclo para a era pós-Kainda?
Fernando Tsucana não é um nome qualquer. Figura respeitada nas fileiras da PRM, o comissário representa uma geração que se formou e consolidou sob a égide dos anos quentes do pós-guerra e da consolidação do poder policial no espaço civil. A sua saída, acompanhada de Domingos Jofane, Júlio Bonicela, Abílio Ambrósio, Quiasse Madiquida e outros, marca o fim tácito de uma era e o início de outra – ainda sem rosto visível, mas com impressões digitais do novo inquilino da Ponta Vermelha.
Se Nyusi iniciou uma aproximação ambígua às estruturas da PRM, Chapo parece estar a desenhar o seu próprio organograma de confiança dentro das FDS. A passagem à reserva dos oficiais superiores sinaliza um reposicionamento estratégico que, segundo fontes contactadas pelo Txopela, poderá abrir espaço para promoções aceleradas de quadros mais jovens, potencialmente alinhados com a nova visão de governação.
Segurança e lealdades: o jogo de sempre
O que está em jogo não é apenas o rejuvenescimento da corporação policial. É a configuração das lealdades internas no seio da polícia, num momento em que o país enfrenta tensões sociais latentes, contestação política pós-eleitoral e um espectro crescente de manifestações populares. Ter nas chefias da PRM homens (e mulheres) da mais estrita confiança política é mais do que uma necessidade técnica, é uma condição de sobrevivência para qualquer Presidente que pretenda governar com alguma margem de estabilidade.
Analistas em Maputo consideram que Chapo está a consolidar o que alguns já chamam de doutrina do silêncio activo: fazer mudanças estruturais sem fanfarras nem polémicas públicas, mas com impacto profundo nos mecanismos de controlo e actuação do Estado.
Mais do que discursos, o país aguarda por uma reforma efectiva das FDS, maior transparência, formação técnica, respeito pelos direitos humanos e verdadeira subordinação à legalidade constitucional, temas que ainda andam a reboque de reformas inconclusas.
Fica por saber quem serão os nomes que vão ascender às funções agora vagas. Os próximos despachos presidenciais dirão muito sobre o grau de confiança que Chapo deposita nos diferentes círculos dentro da Polícia e, por extensão, sobre a direcção estratégica da segurança pública nos próximos cinco anos.
Por enquanto, o Presidente moveu as suas peças com discrição. Mas no xadrez do poder, nem sempre quem fala menos tem menos ambição. A reorganização das forças policiais pode ser o primeiro passo para consolidar um modelo de governação onde a autoridade é menos teatral, mas ainda mais profundamente centralizada.
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