Há balas que erram o alvo. Outras, quando disparam, não miram apenas corpos, querem silenciar símbolos, quebrar ritmos, fazer calar a rebeldia e o verbo. O atentado contra Joel Amaral ou MC Trufafá, não é um crime comum. É uma tentativa clara de assassinato político. O tipo de crime que exige do Estado não apenas palavras, mas posições. Não apenas repúdio, mas responsabilização.
Que se saiba, Joel Amaral não é um simples músico. É um funcionário público, um quadro municipal, um artista com discurso. E sobretudo, um activista cultural que ousou transformar a campanha política num acto de resistência dançante. Trufafá representa a geração que não reza o terço do silêncio nem come do prato da resignação. Essa geração que, armada apenas com microfone, batuque e coragem, tem confrontado um sistema que já perdeu o sentido da escuta.
O ataque deu-se em pleno Domingo de Ramos. Não é um detalhe menor. O dia simbólico que marca o início do calvário cristão tornou-se também o ponto de partida de uma nova estação de dor em Quelimane, uma cidade que tem sido laboratório da democracia participativa, mas também campo de testes para o autoritarismo à paisana.
O Presidente da República, Daniel Chapo, condenou o acto. Mas a sua condenação é tão fria quanto previsível. Não se exige ao Chefe de Estado apenas solidariedade protocolar. Exige-se liderança. Exige-se que convoque os comandos da Defesa e Segurança, que ponha fim à cultura do esquadrão clandestino e ordene uma investigação séria. Qualquer coisa abaixo disso é cumplicidade.
A tentativa de execução de Joel Amaral é parte de uma sequência. Um fio que se estende desde os resultados contestados de Outubro de 2024 até aos relatos persistentes de perseguições, prisões arbitrárias e assassinatos selectivos nos distritos periféricos da Zambézia. Morrumbala, Mopeia, Luabo — nomes que, para o poder central, são apenas pontos no mapa, mas que escondem gritos que já não cabem nas urnas nem nas igrejas.
Manuel de Araújo, edil de Quelimane, não usou meias-palavras. Denunciou. Com coragem. Com indignação legítima. Mas o mais impressionante veio das ruas. Quelimane respondeu com os pés. Com batuque. Com indignação. Não porque ama apenas Joel, mas porque reconhece nele o retrato de todos os jovens que ousam pensar diferente e fazer diferente.
E se há lição que o regime devia aprender da história recente de África — da Tunísia ao Sudão — é que nenhum poder, por mais armado que esteja, pode calar um povo que já aprendeu a gritar com o corpo todo.
Neste momento, MC Trufafá está vivo. E é importante que esteja. Porque o país precisa mais dele do que de todos os generais silenciosos que dizem proteger-nos enquanto permitem que artistas e activistas sejam caçados a céu aberto.
O atentado de Quelimane não pode cair na vala comum dos “casos arquivados por falta de provas”. O país já viu esse filme demasiadas vezes. E sabemos como acaba: com mais sangue, mais medo, mais exílio. Está na hora de mudar o roteiro. E essa mudança começa por responsabilizar quem apertou aquele gatilho… e quem permitiu que ele disparasse. Amem?
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