Se alguém ainda tinha dúvidas de que o culto à personalidade continua a ser o prato principal no banquete político da Frelimo, a tarde de 14 de Agosto dissipou-as com a força de uma salva de canhões. Não foi um encontro político; foi uma missa solene. Um desfile coreografado para coroar, em apenas seis meses de liderança, Daniel Francisco Chapo como o novo messias de um partido que há muito confunde Estado com altar.
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Às 15h, na sede nacional, juntou-se a corte. Vieram ministros, dirigentes, simpatizantes, crianças da OCM — porque, na Frelimo, a adoração começa cedo —, e um punhado de representantes religiosos prontos a comparar o presidente do partido a figuras bíblicas. Chapo foi erguido ao patamar do profeta Daniel, aquele que decifrava sonhos e servia reis babilónicos com lealdade e competência. O detalhe é que, na história original, Daniel não era rei; na versão frelimista, é rei e profeta ao mesmo tempo.
O roteiro é conhecido. Orações inflamadas, mensagens laudatórias, declarações de “firmeza, serenidade e alto sentido patriótico”. A cada fala, o público era lembrado de que a governação de Chapo assenta em justiça, equidade, inclusão, transparência e integridade. Palavras bonitas, daquelas que brilham no papel e que raramente sobrevivem ao teste da vida real.
O que se viu, no entanto, foi menos sobre balanço de governação e mais sobre a necessidade visceral da Frelimo de ter um rosto para venerar. Filipe Nyusi saiu, Chapo entrou, e o modus operandi manteve-se: o partido transforma cada líder num semideus, protegido por uma muralha de aplausos.
As organizações sociais, devidamente alinhadas, leram o catecismo partidário. Falaram dos “ganhos concretos” — alguns ainda por concretizar, como o dinheiro do Fundo de Desenvolvimento Económico Local — e exaltaram projectos como a Cidade Jovem, convenientemente esquecendo que será erguida numa zona ecologicamente sensível. Até a suspensão das licenças de bebidas alcoólicas foi embrulhada como presente divino.
Na tribuna, a disputa não era por espaço, mas por intensidade de elogio. Chakil Aboobacar agradeceu a Chapo por “tornar o partido centro fundamental na acção governativa”, frase que, lida ao contrário, diz muito mais: o partido continua a sobrepor-se ao Estado.
Chapo, por sua vez, retribuiu na mesma moeda: pintou um quadro de estabilidade, reconciliação e paz quase celestial, minimizando o facto de que Cabo Delgado ainda arde e que a insegurança económica permanece. Celebrou feitos como a marcha da tocha da unidade e a celebração dos 50 anos da independência, como se fossem motores estruturais de desenvolvimento.
No final, exibiu-se um vídeo de quase nove minutos, uma espécie de trailer promocional dos seus seis meses de reinado. Uma peça publicitária que cristaliza o que foi esta cerimónia: propaganda embalada em devoção.
O problema não é reconhecer avanços, quando eles existem. O problema é transformar cada gesto em milagre, cada acto em profecia cumprida. O país precisa de resultados mensuráveis, não de liturgias políticas. A Frelimo, no entanto, continua a preferir a liturgia.
E, enquanto se reverencia o chefe, os problemas reais — desemprego, pobreza, corrupção, desigualdades — aguardam na fila, sem cerimónia, sem aplausos e sem milagres.
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