Há discursos que soam como profecias. Outros, como fórmulas de fé. O que a Primeira-Ministra, Maria Benvinda Levi, apresentou no Parlamento nesta quarta-feira, 23 de Abril, é um pouco dos dois, um documento de mais de 20 anos projectado sobre um país real, feito de ruas poeirentas, escolas inacabadas e jovens à deriva. Chama-se Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) 2025-2044, e é o mais recente exercício de engenharia político-burocrática que promete reinventar Moçambique.
Mas será esta estratégia o mapa para um país que nunca chegou ao seu destino? Ou apenas mais uma carta ao Pai Natal, escrita com dados, metas e percentagens, mas sem selo nem remetente?
Aos olhos do Governo, 2044 será o ano da redenção nacional. O Produto Interno Bruto (PIB) saltará dos actuais 662 dólares per capita para mais de 2.100. A pobreza, que hoje engole mais de 65% da população, será reduzida para 27,9%. O desemprego cairá para 10,5%, a inflação será domada, e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) atingirá 0,74, um valor ainda abaixo dos países desenvolvidos, mas suficiente para arrancar Moçambique da cauda do mundo.
As projecções, embora matematicamente sedutoras, escondem o essencial, como se fará a travessia?
O discurso oficial invoca palavras como “inclusão”, “resiliência”, “diversificação”, “economia competitiva”. Mas quem anda nas ruas da Beira, nas planícies de Namarroi ou nos mercados de Montepuez, sabe que há um abismo entre os que escrevem o futuro e os que sobrevivem no presente.
A ENDE é apresentada como fruto de uma ampla auscultação pública, envolvendo todos os “segmentos da sociedade”. Mas a pergunta é: quem fala nesses segmentos? E mais importante: quem é ouvido?
A história recente ensina-nos que os planos estratégicos têm vida curta quando não dialogam com as realidades locais. O Plano Quinquenal do Governo, a Estratégia Nacional de Redução da Pobreza, o Agenda 2025, todos prometeram reescrever o destino nacional. Nenhum mudou a natureza do Estado: centralizador, clientelista, e por vezes hostil às vozes críticas.
O país que se pretende em 2044 ainda não resolveu o problema de 1992, a paz armada, a exclusão social e a partidarização do Estado. Fala-se em crescimento de dois dígitos no PIB, mas não se discute a sua distribuição. O gás, o carvão, o rubi e o grafite não alimentam o estômago das periferias, alimentam Excelências, alimentam elites.
Quando Maria Benvinda Levi diz que “unidos é que poderemos avançar”, convoca uma imagem de nação que a própria prática política desmente. Os protestos pós-eleitorais de 2024 deixaram claro que o povo não está no mesmo barco, alguns estão a remar, outros estão sentados à sombra.
Não se pode negar que a ENDE respira boas intenções. É meticulosamente desenhada, tem lógica técnica, e busca responder aos desafios do presente com os olhos postos no futuro. A aposta na formação, na industrialização e no capital humano revela uma ambição honesta.
Mas a honestidade de um plano não garante sua eficácia. O que garante sua eficácia é o compromisso político com a mudança estrutural, algo que até agora tem sido refém de interesses instalados e de uma elite político-económica que lucra com o atraso.
A ENDE fala pouco da reforma do Estado. Diz ainda menos sobre a transparência, a justiça social, o combate à corrupção, e o fosso entre o centro e as periferias. Tudo temas que, se ignorados, tornarão 2044 apenas mais uma data num calendário de promessas não cumpridas.
E se o país que queremos em 2044 for o país que devíamos ter tido em 2004?
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