No meio dos escombros da ponte sobre o rio Monapo, parcialmente engolida pelas águas intempestivas que o Ciclone Jude fez transbordar, a Presidente da Assembleia da República, Margarida Talapa, reapareceu na linha de frente, ladeada pelos chefes das três bancadas parlamentares, numa rara demonstração de convergência institucional no terreno. A deslocação, que aconteceu na quinta-feira, 17 de Abril, visou avaliar o impacto real da calamidade e verificar o andamento das obras de emergência na Estrada Nacional n.º 1, ligação vital entre as províncias de Nampula e Cabo Delgado.
O cenário não era apenas de obras e betão, mas de uma região ainda em convalescença. A ponte, danificada pelo aumento do caudal do rio Monapo, viu a sua estrutura de betão ser substituída provisoriamente por um desvio improvisado, que restabeleceu a circulação rodoviária entre o norte e o resto do país. Um remendo logístico, mas que revela a fragilidade da infraestrutura nacional face a fenómenos cíclicos cada vez mais frequentes.
Durante as semanas de isolamento, Cabo Delgado voltou a ser ilhéu terrestre, com acesso restrito a combustível, medicamentos e bens essenciais, dependente das canoas e botes da Marinha para evacuar doentes críticos, uma imagem que remete mais ao improviso do pós-guerra do que ao Estado em pleno exercício da sua função social.
Talapa, cuja visita a Nampula se enquadra numa missão mais alargada, acompanhou de perto os trabalhos em curso e, num gesto que misturou humanismo e cálculo político, decidiu financiar com recursos próprios a construção de duas casas para idosos afectados, nas zonas de reassentamento em Mossuril. Um gesto simbólico, mas que, no panorama geral da resposta governamental, revela mais sobre a carência sistémica do que sobre a generosidade individual.
O périplo incluiu ainda a entrega de bens de primeira necessidade – 41 toneladas, segundo dados oficiais – aos sobreviventes do ciclone, com destaque para lonas, alimentos e produtos de higiene. O acto decorreu em Namitatare, distrito de Mossuril, e em Ntete, região continental da Ilha de Moçambique, onde os rostos dos deslocados disseram mais que os discursos.
“A visita permitiu ver in loco a dimensão real do impacto. Agora é preciso reforçar o orçamento para a assistência humanitária”, disseram em uníssono os representantes parlamentares da Frelimo, Renamo, MDM e PODEMOS – Manuel Ramissene, Gerónimo Malagueta, Fernando Bismarque e Avelino Mussanhane.
Mas enquanto as promessas de reforço orçamental seguem o seu trâmite, os residentes das zonas fustigadas esperam por acções estruturantes e não apenas paliativos. O país continua refém da sua geografia de riscos e da morosidade institucional. A ponte de Monapo, tal como muitas outras infraestruturas, é apenas mais um elo frágil numa cadeia que teima em não se tornar resiliente.
Passada a comoção, os holofotes continuarão apontados para as zonas afectadas, ou se a memória colectiva da tragédia será soterrada pelas mesmas águas que arrastaram a ponte.
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