Maputo vive, neste momento, um dos mais graves escândalos de saúde pública das últimas décadas. Milhares de moçambicanos estão a consumir, diariamente, água turva, fétida e imprópria para o consumo humano, tudo sob o olhar impassível das autoridades reguladoras e da empresa pública de abastecimento, Águas da Região Metropolitana de Maputo (AdRMM).
Bairros como Alto Maé, Munhuana, Bagamoyo, Malhangalene, Tchumene e muitos outros transformaram-se em laboratórios de doenças hídricas. Crianças com dores estomacais, vómitos e diarreias estão a ser levadas aos hospitais após ingerirem o líquido que deveria lhes garantir vida, mas que, neste caso, parece estar a oferecer a morte gota a gota, é uma conclusão do Observatório Cidadão para a Saúde (OCS), organização nacional compost por profissionais de saúde, cientistas sociais e investigadores interessados em contribuir para o fortalecimento da participação do público no debate atinente ao sector de saúde.
O relatorio recentemente divulgado por esta organizacao refere que a população tem vindo a consumir água contaminada, abastecida através da rede pública e ou fornecedores privados no país. Maputo, Matola e Tete estão entre algumas regiões cujos moradores consomem água contaminada, segundo constatações do Observatório Cidadão para a Saúde (OCS). Análises laboratoriais diversas concluem que, em alguns casos, a água está contaminada por bactérias maléficas ou químicos prejudiciais à saúde humana. A situação coloca a população a viver no risco iminente de contrair doenças de origem hídrica.
Governo lava as mãos com água suja
A violação do Decreto Ministerial n.º 180/2004, que regula a qualidade da água para consumo humano, tornou-se rotina. A AdRMM e a Autoridade Reguladora de Águas (AURA, IP) ignoram, sem pudor, as reclamações da população. Procuradas pelo Observatório Cidadão para a Saúde (OCS), ambas as instituições optaram pelo silêncio, um silêncio cúmplice e criminoso, que fala alto sobre o estado de abandono em que vive o povo.
Em Tete, os relatos são ainda mais assustadores, água contaminada com metais pesados como ferro e manganês, provenientes da exploração mineira, continua a ser distribuída como se fosse potável. A ausência de tratamento eficaz é a regra. A presença de coliformes fecais em furos e nascentes públicos foi confirmada pelos académicos. Mesmo assim, o líquido continua a jorrar livremente das torneiras — e dos túmulos.
Enquanto os relatórios oficiais celebram estatísticas, a realidade no terreno mata. Em 2024, Maputo registou mais de 10 mil casos de diarreia em apenas 18 semanas. Em 2023, foram 20 mil casos de cólera em todo o país. Crianças com menos de cinco anos continuam a ser as maiores vítimas, representando a esmagadora maioria das mais de 3 milhões de mortes anuais causadas por doenças relacionadas com água contaminada no mundo, segundo a OMS.
Apesar disso, a resposta institucional resume-se a notas técnicas, reformas administrativas e concessões a operadores privados que, na prática, operam sem fiscalização eficaz. A promessa de acesso universal à água potável até 2030, inscrita nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), está a afundar no mesmo esgoto que contamina as condutas de abastecimento.
O país que quer crescer… com a barriga cheia de germes
Paulo Marcos Sebastião, engenheiro químico e doutor em Meio Ambiente, afirma: “O fornecimento de água imprópria compromete a saúde pública, afecta a produtividade nacional e perpetua o subdesenvolvimento.” E o mais grave: o problema é conhecido, diagnosticado, mapeado, mas deliberadamente ignorado.
O Governo de Moçambique assina tratados internacionais de qualidade, como a norma ISO 24500, mas dentro de portas permite que operadores forneçam água com odor, cor estranha e bactérias fecais, em plena capital do país. O que não se vê nos gráficos do INE é que muitas famílias, mesmo tendo torneiras, são obrigadas a ferver água, comprar galões ou, pior ainda, resignar-se ao consumo de veneno líquido.
Com a proliferação de operadores licenciados pelo Estado, a gestão da água virou oportunidade de negócio, mas sem garantias de qualidade. O controlo laboratorial é esporádico e quase sempre feito por iniciativa dos próprios cidadãos. Foi o caso de uma estudante universitária que descobriu, por conta própria, que três das cinco amostras de água recolhidas em mercados populares da cidade de Maputo eram impróprias para o consumo humano.
A cada copo, uma roleta russa. A cada banho, um risco de infecção. A cada silêncio das autoridades, uma sentença assinada.
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