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Por volta das 11h, peguei a “Tempo” e a folheei distraidamente, buscando algo novo (mesmo já a tendo lido de cabo a rabo). E foi então que, encontrei “ao acaso” de Suleiman Cassamo.

Faltava pouco para o meio-dia na “terra do Primo Zeca”, e o calor era a reclamação geral em todo o Moçambique. Com a pasta no colo, dirigi-me à paragem de carros do lixo (mercado). Como muitos na minha condição financeira – muito relevante de se menosprezar, como diria aquele escritor que, por razões minhas, não vou citar – ” não é lixo no lixo, é lixo do lixo” (risos).

Ali sentado, aguardando o habitual grito ensurdecedor “Quelimane, Mocuba, Gurué”. De repente, senti o peso de uma sombra no meu ombro direito. Girei o pescoço com estilo e vi barbas compridas e amarrotadas, um homem com os pés descalços completamente nus, parado bem ali ao meu lado. Pensei: “deve ser do chá para onde vou” (Gurué). O olhar dele era enrugado e carregado de perguntas.

Curiosamente, ele observava o mesmo que eu: o relógio que se encontrava à venda na montra, já há algum tempo.

• O pai disse alguma coisa? – perguntei

• Não – respondeu. – Estou a pensar no relógio.

• Como assim?

• Bem – ele coçou a cabeça, depois o queixo e de novo a cabeça. – É que nunca vi nenhum a marcar os anos. Pois é! Tal como as horas, o tempo também vai e volta. Tudo é cíclico, como diria em português bem aportuguesado para caracterizar isso. Vai e volta a chuva, o vento, a abundância, a paz, a vida e a morte, a seca e a cheia. Os anos também. Acho que devia existir um relógio dos anos, não é?

• Relógio dos anos? Ou do tempo? Bom, se calhar ele tinha razão. Mesmo a viagem que eu ia fazer entrava nesse fluxo e refluxo do tempo. Pois é! Em outra ocasião, já tive a oportunidade de chegar lá em missão de serviço, mas desta vez era diferente: era parte de uma nova estratégia, uma nova identidade, novos ideais ajustados à medida dos meus princípios e das minhas crenças.

O senhor continuava à espera da minha resposta.

Primeiro, murmurei em silêncio: “Ele deve ter razão. Mais do que razão, é uma ideia genial, profunda e sábia.” Não era favor nenhum admiti-lo. Estendi a mão e ele correspondeu com um aperto rijo, seco e caloroso.

Um grito invadiu os nossos ouvidos e a atmosfera poeirenta daquele lugar: “Quelimane, Mocuba, Gurué!”. O carro de 16 lugares encostou bem à nossa frente. Peguei a porta, levantei o pé para o primeiro degrau da escada de acesso.

• E o senhor não vem? – perguntei, virando-me para o meu recém-amigo.

• Não – disse ele, recuando uns quatro (4) passos. – Boa viagem!

Ficou ali pregado ao chão de concreto. O carro pôs-se em marcha, ele levantou o braço e acenou até eu sumir na distância.
Era evidente que ele não esperava por carro algum. Não era um passageiro qualquer: ele era um passageiro do tempo.

Por: Zito do Rosário Ossumane (Régulo de Inhassunge)
(Escrita em Setembro de 2011)

By Jornal Txopela

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