Confesso: Sempre fui péssimo em cálculos, mas abençoado com a habilidade de ouvir histórias, de vê-las e vivê-las também.
Certo dia, apressado nos labirintos dos mercados da pequena e lamacenta vila de Gurué, buscava o “Piripiri” (o Vermelho), não para temperar saladas, mas para coroar um prato de todué impecavelmente preparado – apenas duas gotinhas da preciosa ardência.
“Finalmente te encontrei!”, exclamei, e retornei para casa em velocidade digna de um velocista. A bicicleta emprestada para a nobre missão foi abandonada a uns 30 metros da residência (o dono, certamente, ficou furioso).
Mergulhei na cozinha, um turbilhão de pratos, copos e talheres. O rapaz, meu ajudante de casa, observava-me com certa descrença (como quem diz não coma isso) e com olhar de semi-reprovação “nem te ligo!”, pensava eu, já a salivar. As delícias são assim: nascem basicamente da insensatez.
Após devorar a primeira bola de Nandura (xima feita à base de farinha de mandioca), um gole de água fresca acalmou o fogo do piripiri que escaldava a minha boca a 40ºC. Comentei com o rapaz: “É divino e maligno ao mesmo tempo!” (risos). Ele não compreendeu a ironia, mas captou a essência da coisa.
Assim é a nossa cultura, a nossa moçambicanidade. Em instantes, eu, o rapaz e meu novo amigo Rui (sul-africano e talentoso fotógrafo) estávamos sentados na varanda, trocamos ideias, experiências, gostos e preferências, sempre com os olhos fixos no imenso céu azul e na paisagem deslumbrante: plantações de chá, montanhas majestosas. Falávamos de sonhos realizados, sonhos adiados e sonhos a serem conquistados.
O crepúsculo vespertino tingia o céu, e tudo parecia perfeito, como se Deus, o Deus de Moçambique, estivesse satisfeito.
• O que faremos à noite?
• O mesmo de todas as noites: tentar conquistar o mundo! (risos) – respondi com um sorriso cúmplice.
A arte de sermos um com os outros, um colectivo de “eus em si, d’eus em si”, é esplendorosa.
Culturas entrelaçadas, amores e tolices. Logo, me deixei levar pelos versos de Marcelo Soriano. No silêncio estrondoso das montanhas, uma melodia ecoava: a natureza entoava uma canção para mim. Era Gurué dando-me as boas-vindas.
Por: Zito do Rosário Ossumane a.k.a Régulo de Inhassunge (Um artista de esquina, escritor marginal, pensador de bancos de praças)
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