O Presidente da República, Daniel Chapo, enfrenta um dos primeiros grandes desafios à sua promessa de transparência e integridade: as alegadas irregularidades na adjudicação de um concurso público no Ministério da Agricultura. A questão não se limita a um episódio administrativo — ela lança luz sobre uma ferida antiga da governação moçambicana: a fragilidade dos concursos públicos e o risco constante de captura do Estado por interesses particulares.
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Em comunicado oficial, a Presidência apelou à serenidade e reafirmou o princípio da presunção de inocência, garantindo que as instituições competentes conduzirão as devidas investigações. Contudo, para uma sociedade civil cada vez mais desconfiada, a resposta parece demasiado tímida. Não basta aguardar conclusões formais: o que está em causa é a credibilidade de um sistema de contratação pública frequentemente acusado de servir elites político-empresariais em detrimento do interesse nacional.
As denúncias, levantadas pelo Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD) e pelo Centro de Integridade Pública (CIP), apontam para favorecimento na adjudicação do concurso promovido pelo Instituto de Algodão e Oleaginosas de Moçambique (IAOM, I.P.), destinado à digitalização de cadeias de valor estratégicas. O nome do Ministro da Agricultura, Roberto Mito Albino, surge associado ao processo, numa acusação que, verdadeira ou não, já levanta poeira suficiente para corroer a confiança pública.
O caso do IAOM não é um ponto fora da curva. Nos últimos anos, outros concursos públicos suscitaram debates semelhantes.
Em 2020, a aquisição de tablets e equipamentos para o Ministério da Educação levantou suspeitas de sobrefaturação e favorecimento a fornecedores próximos de círculos políticos. No mesmo ano, a contratação de empresas de vigilância privada para instituições do Estado foi questionada pela falta de clareza nos critérios de seleção.
Mais recentemente, em 2022, a polémica em torno da compra de aviões Embraer para a LAM revelou que, sob a capa de processos de contratação pública, muitas vezes escondem-se decisões políticas que escapam ao escrutínio técnico.
Cada um destes episódios mostrou que a lei existe, mas raramente é aplicada com o rigor que deveria. O problema, portanto, não está apenas nos concursos em si, mas na forma como os órgãos de fiscalização — do GCCC ao Tribunal Administrativo — exercem o seu papel.
Ao felicitar publicamente o CDD e o CIP pela denúncia, Daniel Chapo quis marcar uma diferença em relação ao passado, quando críticas da sociedade civil eram recebidas como afrontas ao poder. Mas a sua postura cautelosa, quase expectante, deixa uma interrogação: estará o Presidente disposto a ir além da retórica e permitir que este caso seja investigado até às últimas consequências, mesmo que isso implique fragilizar figuras próximas do Executivo?
O dilema é claro. Se agir com firmeza, Chapo pode consolidar a imagem de líder comprometido com a integridade. Se optar por esperar em silêncio, corre o risco de ser visto como cúmplice da mesma lógica que prometeu combater.
No fundo, o episódio do Ministério da Agricultura não é apenas sobre um contrato milionário ligado à digitalização do algodão. É sobre o lugar da transparência na cultura política moçambicana. É sobre saber se as instituições terão independência para investigar sem olhar a nomes ou cargos.
Enquanto isso, a sociedade civil e a imprensa continuarão a vigiar, como já o fazem. Porque, em Moçambique, a memória das “dívidas ocultas” e de tantos outros escândalos ainda está demasiado viva para que a serenidade invocada pela Presidência seja suficiente.
Afinal, quando o problema é sistémico, esperar pela justiça pode ser sinónimo de adiar a verdade.
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