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Investigação do CIP revela que as autoridades moçambicanas sabiam do ataque e não enviaram apoio à embarcação científica russa

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Um ataque violento a uma embarcação russa em missão científica ao largo da costa de Cabo Delgado trouxe à tona uma realidade desconcertante: a fragilidade da resposta militar moçambicana em pleno território sob ameaça terrorista. Segundo investigação do Centro de Integridade Pública (CIP), a Marinha de Guerra de Moçambique foi alertada a tempo do ataque e prometeu o envio de dois helicópteros de resgate que, simplesmente, nunca chegaram.

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O caso ocorreu a 10 de Maio, quando um navio russo que realizava estudos sobre recursos pesqueiros foi surpreendido por homens armados junto ao arquipélago das Quirimbas. A tripulação, composta por mais de 40 pessoas, viveu momentos de terror que duraram pelo menos 20 minutos.

Na imagem, observa-se uma pequena embarcação de madeira, equipada com um motor fora de bordo, alegadamente utilizada pelos insurgentes durante o ataque ao navio russo ao largo da costa de Cabo Delgado. A estrutura rústica e o desgaste visível indicam improvisação, característica comum nas operações marítimas levadas a cabo por grupos armados na região.

“Prometeram socorro. Ficámos à deriva.”

A embarcação, que partira de Maputo rumo ao Norte com paragens científicas ao longo da costa, estava estacionada para análise de parâmetros ambientais quando uma lancha se aproximou. À primeira vista, parecia mais uma patrulha. Mas a ilusão durou pouco. “Vestiam-se de forma casual, usavam máscaras e comunicavam-se em árabe”, contou João (nome fictício), membro da equipa científica, ao CIP.

A bordo da lancha estavam crianças, jovens e adultos – todos armados com armas de fogo e catanas. Ao perceberem a ameaça, os tripulantes tentaram alertar os colegas e iniciaram manobras para fugir. Disparos atingiram o casco e parte da cabine. Por sorte, ninguém ficou ferido, mas imagens em vídeo mostram projécteis a milímetros de atingir a cabeça de um dos cientistas.

Em pânico, a equipa tentou contactar a Marinha de Guerra. A resposta foi promissora: dois helicópteros seriam enviados a partir da base em Cabo Delgado. “Ligámos directamente para o capitão. Ele prometeu que os helicópteros já estavam a caminho. Esperámos. E continuámos a ser perseguidos. Nunca chegaram”, relata João.

Defesa calada. INAMAR ausente.

O CIP apurou que o Instituto Nacional do Mar (INAMAR) e o Ministério da Defesa haviam sido informados antecipadamente do percurso da embarcação, mas não emitiram qualquer alerta sobre riscos de ataque naquela região – mesmo sabendo que Cabo Delgado é uma zona crítica sob ameaça de insurgentes armados.

A fotografia mostra a embarcação de bandeira russa parcialmente danificada, atracada ao largo, após ter sido alvo de um ataque armado. Marcas visíveis de projéteis e vestígios de combustão na parte traseira do casco reforçam os relatos de confrontos intensos. Fontes no terreno relatam que, após o ataque, a tripulação ficou entregue à sua sorte, sem intervenção imediata das forças de segurança moçambicanas.

Pior: apesar do ataque, o Governo levou dez dias para reagir oficialmente. E quando o fez, declarou não ter ainda informações claras sobre o sucedido. O porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa, remeteu-se à habitual resposta vaga: “O assunto está sob investigação.”

Entretanto, a equipa de pesquisa foi ouvida pela Marinha apenas no dia 17 de Maio, após ter regressado a Maputo. Fontes diplomáticas confirmaram o ataque. A Embaixada da Rússia assegurou que a missão científica foi concluída com êxito – o que a equipa técnica nega, afirmando que dois pontos ainda não haviam sido investigados.

Silêncio ensurdecedor …

A reportagem do CIP também levanta suspeitas sobre a origem dos atacantes, que poderão ter partido das ilhas Tambuzi ou Vamizi. Segundo os investigadores, a embarcação científica poderá ter parecido avariada, devido ao seu movimento lento e frequentes paragens – o que pode ter levado os agressores a acreditar que se tratava de alvo fácil.

A bordo, o desespero levou os tripulantes a desligar o radar, temendo que a embarcação fosse rastreada. Passaram a noite em claro. Só ao amanhecer, já longe da costa de Pemba, puderam respirar de alívio.

“O mais grave de tudo”, diz um membro da equipa, “foi o abandono. Fomos nós que contactámos a Marinha. Eles tinham o nosso contacto, sabiam a localização e simplesmente deixaram-nos sozinhos em alto mar. Chamam isso de Defesa Nacional?”

Até ao fecho desta reportagem, tanto o Ministério da Defesa como o INAMAR continuavam sem responder às cartas oficiais enviadas pelo CIP, que solicitavam esclarecimentos sobre:

  1. A existência ou não de negligência por parte das autoridades;
  2. As acções tomadas para o socorro da equipa;
  3. Os protocolos de resposta rápida para ataques em mar aberto;
  4. A existência de equipamento funcional de resgate aéreo;
  5. Os tempos estimados de reacção em casos semelhantes.

O episódio traz de volta a pergunta que há muito paira sobre a cabeça dos moçambicanos: quem está realmente a proteger o território nacional? Quando até um apelo de socorro em tempo real, feito por uma missão científica, não é suficiente para mobilizar uma reacção mínima das Forças de Defesa e Segurança, o que mais será preciso para despertar o Estado?

Este não é apenas mais um caso de falha operacional. É um retrato da negligência estrutural. Um espelho de um Estado que promete helicópteros e entrega silêncio. E que talvez, mais uma vez, escape impune.


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