Entre o delta do Bons Sinais e as grandes ruínas das empresas majestáticas falidas e abandonadas, encontramos na Zambezia também o Porto de Macuse , outro monumento que revela à exclusão de uma província inteira.
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O projecto do Porto de Águas Profundas de Macuse, acoplado à linha férrea que o ligaria a Moatize, em Tete, nasceu com pompa em 2013. Na altura, os discursos governamentais anunciavam uma nova era de desenvolvimento. Um corredor logístico de quilómetros destinado a escoar carvão para o mercado asiático. Um investimento estimado em 2,7 mil milhões de dólares, financiado pela Thai Moçambique Logística (TML), uma joint venture entre tailandeses, indianos e moçambicanos. Havia um horizonte promissor.
Passaram-se mais de dez anos desde o anúncio oficial. As retroescavadoras nunca chegaram. A linha férrea continua a ser apenas um risco sobre no mapa. O porto? Nem sequer há cais de madeira para o embarque de peixe. A promessa de empregar mais de 5000 moçambicanos evaporou-se como nevoeiro.
Em 2023, um relatório da Comissão Parlamentar de Agricultura, Economia e Ambiente foi claro: o projecto está paralisado. A razão? Ausência de financiamento, desentendimentos internos na TML, e falta de vontade política do governo para pressionar os parceiros. “O Estado lavou as mãos”, disse fonte do Txopela. “Como se nada tivesse sido prometido, como se o povo da Zambézia não existisse”.
A ausência de um plano alternativo reforça o argumento de que há um padrão: os grandes projectos estruturantes, sempre que envolvem a Zambézia, morrem na incubadora. A estrada Cuamba–Lichinga andou. O Porto da Beira modernizou-se. Nacala cresceu. Mas Quelimane?
O vazio deixado pelo Estado não fica em branco. Onde há ausência de autoridade, instala-se o poder paralelo. O Porto de Macuse, sem estruturas portuárias e sem fiscalização marítima Digna do nome, converteu-se num corredor invisível de tráfico de drogas.
Segundo documentos do Instituto Nacional do Mar (INAMAR) e do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), barcos rápidos recolhem drogas em alto-mar e descarregam nas praias de Macuse e adjacências. As rotas seguem por terra até Quelimane, escalam para Nampula e Beira, depois seguem rumo à África do Sul. A polícia local reconhece: “Não temos barcos nem pessoal. A costa é longa. Não conseguimos vigiar”.
Em Julho de 2022, dois cidadãos, um professor e um oficial da Marinha, foram detidos por ligações ao tráfico. O caso chegou ao Parlamento. O ex-deputado Venâncio Mondlane apontou o dedo à bancada maioritária: “Um dos vossos está envolvido no narcotráfico”, acusou. Seguiu-se o silêncio. A Comissão de Inquérito criada pela Assembleia da República, dominada pela Frelimo, regressou da Zambézia sem conclusões. Sem culpados. Sem relatório público.
O que impede o governo de desenvolver Macuse? Por que razão se abandona, sistematicamente, a província com uma das maiores costas marítimas do país? Por que razão os fundos para a infraestrutura nunca chegam aqui? A resposta está para além da negligência, ela reside numa arquitectura de exclusão política.
A Frelimo governa o país há quase 50 anos. E embora se anuncie como partido de todo o povo, o seu comportamento perante a Zambézia revela o oposto. Existe um plano tácito de manter a província sob controlo político através da asfixia económica. Um povo empobrecido é facilmente manipulável. Um eleitor faminto vota com a barriga, não com a consciência.
Um antigo membro do Comité Central do partido, em conversa reservada, admite: “A Zambézia é imprevisível. Não se pode dar muito poder económico a uma região onde o nosso controlo político é frágil.”
Assim se explica por que razão os grandes investimentos passam ao lado. Assim se entende por que razão os projectos estruturantes são bloqueados. Assim se revela a lógica de um Estado que usa o subdesenvolvimento como instrumento de dominação.
Macuse é hoje um espelho do fracasso político e moral de Moçambique. Um projecto estratégico transformado em ruínas. Um povo transformado em espectador de promessas não cumpridas. Uma costa entregue ao narcotráfico, com conhecimento das autoridades.
Mais do que um porto, Macuse tornou-se uma metáfora: a prova irrefutável de que a Frelimo não quer e nunca quis desenvolver a Zambézia. Porque um povo instruído, autónomo e economicamente forte, exige liberdade. E liberdade, nesta geografia, é uma ameaça.
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