Por Amosse Mucavele
Em Moçambique, duas forças informais parecem ter um poder extraordinário: o silêncio e a fofoca. Ambas moldam, de forma subtil, as relações sociais, culturais e políticas, onde o amiguismo, o favoritismo e a ganância se assumem como valores predominantes. Esta lógica reflecte-se de forma directa em instituições como a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), que atravessa, nos últimos três anos, uma crise institucional profunda e preocupante.
A AEMO vive actualmente um dos períodos mais críticos da sua história, mergulhada numa crise de liderança e de desrespeito pelos seus próprios estatutos. A gestão em exercício, liderada pelo escritor Carlos Paradona, é, na opinião de muitos associados, a mais ineficaz desde a fundação da instituição. A incapacidade de responder às necessidades dos escritores, aliada à transformação da AEMO num aparente braço político do partido FRELIMO, evidencia um distanciamento da sua missão fundacional. Não se trata apenas de uma má gestão, mas de uma crise de legitimidade e de autonomia institucional.
O aspecto mais alarmante, contudo, reside na postura autoritária do actual Secretário-Geral. Apesar do término do seu mandato, o mesmo recusa-se sistematicamente a convocar eleições para a escolha de uma nova direcção. Em alternativa, tem adiado de forma recorrente a realização da Assembleia-Geral, alegando que apenas em Agosto ou Setembro se iniciará o processo eleitoral. A pergunta que se impõe é: a que se deve tamanha demora? Estarão em causa projectos pendentes? Ou trata-se, pura e simplesmente, de uma estratégia para prolongar ilegitimamente a sua permanência no cargo?
Carlos Paradona é o primeiro Secretário-Geral a ser amplamente criticado pela sua actuação autoritária. Recorde-se que, na sequência da sua reeleição, envolta em polémica, escritores como Ungulani Ba Ka Khosa, Armando Artur, Domi Chirongo, Japone Arijuane, Sónia Sultuane, Hélder Faife, Lucílio Manjate, Hélder Martins, entre outros, decidiram desvincular-se da associação, manifestando o seu descontentamento face ao rumo “pyongyanguizado” que a AEMO parecia adoptar. Este episódio levanta uma questão essencial: estaremos a assistir à formação de uma espécie de “junta militar” no seio da AEMO? Existirá, de facto, um pequeno grupo aliado a estruturas de poder político, interessado em controlar a associação, impedindo a renovação e bloqueando a participação de novas vozes?
Ontem, recebi três chamadas telefónicas de pessoas pertencentes a diferentes gerações, todas expressando preocupação com a passividade da juventude relativamente à situação da AEMO. Embora provenientes de contextos distintos, estas chamadas revelam um sentimento comum: é urgente que a nova geração assuma um papel interventivo na casa dos escritores, pondo fim à camaradagem, ao favoritismo e à manipulação política que têm pautado as decisões da associação.
Os jovens escritores – se é que existe distinção entre jovens e velhos escritores – têm o direito e o dever de reivindicar o seu espaço de participação activa na AEMO, e, se necessário, disputar o poder. Não podemos aceitar a “OJTeimização” do nosso protagonismo literário, nem continuar a representar uma geração de autores que apenas dançam ao som da música tocada por outros. É chegada a hora de restaurar os valores de liberdade, autonomia e criatividade que são, por excelência, a base da literatura. Este é um momento decisivo para que os escritores mais jovens se organizem e exijam um espaço de decisão efectivo na AEMO – ou, em alternativa, tomem a direcção da instituição.
Cabe ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Filimone Meigos, convocar com urgência, novas eleições, que possibilitem uma renovação legítima e, acima de tudo, o fortalecimento da AEMO como espaço de liberdade intelectual.
A chamada “junta militar” da AEMO – se assim lhe podemos chamar – não pode continuar a controlar os destinos da associação. O silêncio não pode persistir como táctica para calar os membros e perpetuar uma liderança desligada dos anseios da comunidade literária. A história da AEMO – como a de qualquer instituição – não pode ser escrita por uma única pessoa ou por um pequeno grupo, sobretudo quando esse grupo actua em benefício próprio.
É tempo de a AEMO reflectir profundamente sobre o seu papel na sociedade moçambicana e de recuperar a sua função original: defender os direitos dos escritores e promover, com dignidade, a cultura literária nacional. Sem uma mudança de rumo, a AEMO arrisca-se a tornar-se uma entidade irrelevante, incapaz de mobilizar as novas gerações e de cumprir a missão que lhe deu origem – uma missão que este mandato, lamentavelmente, desonrou.
Nota
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Amosse Mucavele é um escritor, poeta e activista cultural moçambicano nascido em 1992, na cidade de Maputo. Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane, destacou-se desde muito jovem como uma voz literária vigorosa e interventiva, que alia a poesia ao engajamento social e político.
Criado num contexto urbano e multicultural, Mucavele desenvolveu um estilo literário marcadamente crítico, sensível às tensões sociais, desigualdades e à identidade africana contemporânea. É um autor que habita as fronteiras entre o lirismo íntimo e a denúncia pública, buscando constantemente provocar reflexão sobre o estado da nação e o papel do cidadão.
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O Jornal Txopela é um dos principais órgãos de comunicação social independentes da província da Zambézia, em Moçambique. Fundado com o propósito de oferecer um jornalismo crítico e de investigação, o Txopela destaca-se pela sua abordagem incisiva na cobertura de temas políticos, sociais e económicos, dando voz às comunidades e promovendo o debate público.
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