O colapso do investimento do Millennium Challenge Corporation (MCC) expõe décadas de negligência e fragilidades estruturais na segunda província mais populosa de Moçambique. Oportunidades perdidas, planos engavetados e o custo do atraso é o retrato de uma Zambézia deixada para trás.
A confirmação do cancelamento do investimento de mais de 500 milhões de dólares norte-americanos pelo Millennium Challenge Corporation (MCC) em Moçambique caiu como uma bomba sobre a esperança de reabilitação socioeconómica da província da Zambézia. A decisão é da administração Trump motivada por reformas que abalam a estrutura do Mundo como conhecemos, e representa mais do que uma oportunidade perdida, é mais uma condenação tácita numa das províncias mais estratégicas do país à estagnação.
Uma província rica, um povo pobre
A Zambézia, com os seus cerca de 5 milhões de habitantes, é a segunda província mais populosa de Moçambique. O seu solo fértil sustenta vastas plantações de arroz, algodão, coco e chá, para além de uma produção invejavel de hortícolas e piscicultura. Ainda assim, a província permanece no pódio da pobreza nacional. De acordo com o Relatório de Indicadores de Bem-Estar e Pobreza (INCAF, 2023), 67,9% da população da Zambézia vive abaixo da linha da pobreza.
Contribuindo com cerca de 9,2% para o Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE, 2022), a província está aquém do seu verdadeiro potencial. Esta disparidade entre capacidade produtiva e retorno económico directo é, em parte, reflexo do centralismo político, mas também da paralisia deliberada de infraestruturas económicas deixadas pela era colonial.
As empresas magestáticas da era colonial, como a CETA, BOROR, SONIL, MOCAMBIQUE TEA ESTATES, ZACOP, entre outras, foram nos anos 1980 e 1990 encerradas, desmanteladas ou convertidas em ruínas. As razões oficiais variaram entre falências, privatizações mal conduzidas e guerras. Conquanto, análises independentes e testemunhos locais apontam para uma estratégia política de esvaziamento económico da Zambézia, em favor de outras regiões com maior influência dentro da hierarquia do partido no poder.
“A Zambézia foi neutralizada economicamente como forma de travar o seu ímpeto político”, comenta um académico da Universidade Licungo ao Jornal Txopela. Ele lembra que a província foi bastião da oposição nos anos 1990 e 2000, e que muitos projectos de desenvolvimento foram travados ou redireccionados após as vitórias eleitorais da Renamo.
O Compacto II do MCC previa um investimento estratégico em infraestruturas rurais e urbanas, nomeadamente na reabilitação de estradas, sistemas de irrigação, abastecimento de água e fortalecimento da resiliência climática, com enfoque nas províncias da Zambézia e Nampula. Este investimento tinha o potencial de acelerar significativamente o desenvolvimento económico local.
Com base nos cenários delineados nos relatórios técnicos do próprio MCC (2022), estimava-se que a implementação dos projectos elevaria o rendimento médio per capita em até 20% nas áreas de intervenção directa e reduziria o tempo de escoamento de produtos agrícolas em 45%. Um estudo de viabilidade elaborado pela consultora Dalberg, publicado em 2021, previa que, caso os investimentos fossem mantidos, a Zambézia poderia alcançar um nível médio de desenvolvimento infraestrutural comparável ao da província de Maputo em 15 anos.
A interrupção do projecto significa, em termos práticos, um atraso de pelo menos uma década na recuperação do potencial da província. Especialistas em planeamento económico estimam que Moçambique terá agora de investir, por conta própria, o equivalente a 1,5 mil milhões de dólares para compensar as obras e projectos que seriam financiados pelo MCC — uma meta praticamente impossível diante do actual défice orçamental do país.
Quem perde com isso?
A resposta é curta: todos. Mas principalmente os produtores rurais, as mulheres e jovens que dependem de pequenos negócios informais, e os municípios que precisam desesperadamente de infraestruturas básicas. Em Quelimane, por exemplo, o projecto previa a reabilitação de estradas terciárias e o reforço do sistema de drenagem urbana para mitigar os efeitos das cheias — obras importantes num contexto de vulnerabilidade ambiental crescente.
Em Mocuba, estava prevista a construção de uma barragem de pequena escala para irrigação agrícola e o abastecimento de água. A sua não execução deixará 18 mil camponeses sem acesso a uma infraestrutura que poderia transformar a produtividade local e reduzir a insegurança alimentar.
O Governo central em Maputo reagiu com silêncio cauteloso à decisão do MCC. O porta-voz do Conselho de Ministros limitou-se a lamentar a “decisão unilateral”, sem assumir qualquer responsabilidade. Para a oposição e a sociedade civil zambeziana, no entanto, o colapso do investimento é o mais recente capítulo de uma série de actos de negligência sistemática.
“Este é o resultado de uma elite política que governa a partir do sul para o sul, ignorando que Moçambique é maior do que Maputo”, afirma Fortunato Arcangelo, activista social e coordenador de um movimento juvenil em Inhassunge no extremo sul da Zambézia.
Da parte dos partidos da oposição ainda não há um pedido de explicações públicas sobre o fracasso diplomático, ou a exigência e responsabilização do Governo por não ter negociado melhor esta oportunidade histórica de desenvolvimento regional.
Economistas ouvidos pelo Txopela estimam que, com o atraso gerado pela perda deste investimento, a Zambézia poderá milhões de dólares em produção agrícola não escoada nos próximos cinco anos. Outro detalhe se prende com o índice de migração interna — jovens que vão abandonar a província em busca de oportunidades em outras regiões ou no estrangeiro — vai crescer, com implicações severas para o desenvolvimento humano local.
Se o Estado moçambicano continuar a marginalizar economicamente províncias com elevado potencial produtivo, o fosso entre regiões continuará a agravar-se. E com ele, o ressentimento político e social, acreditam.
O que resta à Zambézia?
Resta resistir. Reinventar-se, como sempre fez. Mas a resiliência tem limites. Uma província com os recursos da Zambézia não pode continuar a ser tratada como uma nota de rodapé nos planos nacionais. A não concretização do investimento do MCC deve servir como um alerta: sem descentralização efectiva, transparência e inclusão territorial, Moçambique continuará a desperdiçar as suas maiores riquezas — que não estão nas minas de rubis, mas nas terras férteis e nos rostos cansados do campo zambeziano.
Discover more from Jornal Txopela
Subscribe to get the latest posts sent to your email.