Foi com o peso cerimonial dos tambores e o silêncio reverente dos antepassados que o Presidente da República, Daniel Chapo, pisou, esta terça-feira, o solo do Reino de Zitambira, no distrito de Angónia, província de Tete. Recebido pelo Rei Zitambira V , nascido Horácio Sebastião Marcos Dama Zintambira , o Chefe do Estado mergulhou num acto profundamente simbólico, mas carregado de mensagens políticas, culturais e institucionais.
Oficialmente, tratava-se de uma visita de cortesia. Mas quem entende os rituais do poder sabe que, em Moçambique, o simbólico é muitas vezes mais eloquente que o formal. Num país de múltiplas nações dentro da Nação, visitar um reino tradicional é também reforçar alianças invisíveis, validar estruturas paralelas e reescrever, mesmo que temporariamente, a hierarquia do Estado.
Chapo sabia onde estava a pisar, o Reino de Zitambira não é apenas uma peça folclórica num inventário antropológico; é um eixo de pertença de um povo os Nguni com raízes espalhadas por Moçambique, Zâmbia, Tanzânia e Malawi. Gente com tradição oral poderosa, com códigos próprios de governação, com uma ideia de justiça moldada no consenso, não na sentença.
E ali, no sopé da história, Chapo ajoelhou-se simbolicamente diante de um poder que não emana da Constituição, mas do sagrado, do sangue, da memória coletiva.
A homenagem à falecida Rainha Zitambira IV teve o peso de um gesto que vai além do protocolo. Coroas de flores foram depositadas nas campas dos três reis falecidos. Um silêncio ritual envolveu a cerimónia. Nenhuma palavra política teria mais força naquele instante.
Mas Chapo falou — e bem. Saudou a falecida monarca como uma mulher de “visão e sensibilidade social”, dotada de “liderança sábia”. E, dirigindo-se ao recém-empossado Rei Zitambira V, entregou-lhe o bastão invisível da confiança do Estado:
“Estamos confiantes de que Sua Majestade irá dar continuidade ao legado da Rainha e promover a harmonia, o diálogo e o progresso da comunidade.”
Mas quem conhece os meandros do poder tradicional sabe que o reconhecimento verbal não é suficiente. A integração real e funcional das lideranças tradicionais no sistema de governação local continua a ser o calcanhar de Aquiles do Estado moçambicano — que, por um lado, glorifica os régulos como guardiões da cultura, e por outro, limita-lhes o espaço de decisão nas políticas públicas.
Chapo defendeu, no seu discurso, que as lideranças tradicionais devem ser integradas na concepção e execução dos programas públicos, sobretudo nas áreas rurais. Falou de justiça comunitária, de agricultura, de saúde e de educação.
Quer o Governo uma verdadeira partilha de poder com as autoridades tradicionais, ou apenas a sua mobilização cerimonial em tempos eleitorais e catástrofes naturais?
No terreno, sabe-se que os régulos continuam muitas vezes a ser instrumentalizados, sem autonomia orçamental nem voz vinculativa. E, no entanto, são eles que garantem a coesão, a resolução de conflitos, a continuidade social onde o Estado é ausente ou ineficaz.
A população de Angónia recebeu o Presidente com festa, mas também com esperança. Para muitos, ver o Chefe do Estado reconhecer o rei é também ver-se reconhecido enquanto povo. É um acto de validação identitária num país onde a centralidade de Maputo ainda se impõe como norma.
Com esta deslocação, Daniel Chapo ensaia uma política de proximidade, tentando costurar o país pelo avesso da história: pelas suas raízes e não apenas pelas suas instituições formais.
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