Numa cerimónia que juntou aplausos protocolares, lágrimas de gratidão e muitas câmaras fotográficas, o administrador distrital de Búzi, João Saize, entregou esta semana 128 bicicletas a alunos da Escola Básica de Inharôngue, numa acção inserida no Projecto Bicicletas para Educação, com selo do UNICEF. A medida, segundo o governante, visa combater a impontualidade escolar entre crianças que percorrem vários quilómetros a pé, diariamente, em busca de ensino.
Das bicicletas distribuídas, 90 foram atribuídas a raparigas, num gesto de reconhecimento das dificuldades acrescidas que as meninas enfrentam no seu percurso escolar, não só em distância, mas também em segurança, estigmas e responsabilidades domésticas.
O gesto é nobre, mas deixa uma pergunta inevitável, é aceitável que, em pleno 2025, a política pública para acesso à educação em zonas rurais se reduza à entrega de bicicletas?
A imagem das meninas a pedalarem ao nascer do sol pelas picadas de Búzi é, ao mesmo tempo, poética e brutal. Poética, porque é um sinal de esperança em movimento. Brutal, porque revela o nível de abandono das zonas remotas, onde o Estado chega mais depressa através de um donativo internacional do que com políticas estruturais de transporte escolar, construção de escolas próximas ou residências estudantis.
O Projecto Bicicletas para Educação tem sido implementado em vários distritos do país, e embora tenha gerado impacto positivo nas taxas de assiduidade e retenção escolar, não deve tornar-se substituto da obrigação do Estado em garantir mobilidade digna e infraestruturas acessíveis.
Não é segredo que muitas das estradas em Búzi e arredores são autênticas armadilhas. Em época chuvosa, tornam-se intransitáveis. Em tempo seco, levantam nuvens de pó que colam ao uniforme e à dignidade. Ao entregar bicicletas, o governo distrital assume tacitamente que os alunos continuarão a percorrer longas distâncias sem segurança rodoviária, sem sinalização e, muitas vezes, sob o risco de violência ou abuso, sobretudo as raparigas.
João Saize, o administrador, falou de “melhoramento do processo de ensino e aprendizagem”, mas não abordou a ausência de residências escolares, nem a escassez de professores nas zonas remotas, nem os desafios das escolas que ainda funcionam debaixo de árvores ou com carteiras improvisadas.
Que este projecto seja financiado pela UNICEF e não pelo Orçamento do Estado preocupa o mais atento cidadão sobre a sustentabilidade das intervenções no sector da educação rural. O que acontece quando o parceiro retirar o financiamento? O que está a ser feito em paralelo para garantir que estas bicicletas durem, tenham manutenção e não se transformem em sucata ambulante no prazo de um ano?
Sem respostas estruturais, o risco é perpetuar a lógica de “pedalar para sobreviver”, numa escola pública que exige esforço olímpico para quem só quer aprender a ler, contar e sonhar.
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